EM ANGOLA HÁ “HOMICÍDIOS LEGAIS”

A organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch (HRW) acusou hoje as forças de segurança angolanas de “homicídios ilegais, de abusos graves contra activistas políticos e manifestantes pacíficos desde Janeiro”. Mas, afinal, há homicídios… legais?

A HRW afirmou também que “o Governo deve garantir a realização de investigações urgentes, imparciais e transparentes às alegadas violações de direitos e aplicar sanções adequadas ou levar a tribunal os membros das forças de segurança responsáveis”.

“Foram implicados membros da Polícia Nacional de Angola e do seu Serviço de Investigação Criminal, bem como do Serviço de Segurança e Inteligência do Estado, no homicídio ilegal de pelo menos 15 pessoas, bem como na detenção arbitrária de centenas de outras pessoas”, apontou a ONG em comunicado, no qual se especifica que “as vítimas incluem activistas sociais e políticos, artistas que criticam abertamente o Governo e manifestantes que organizaram ou participaram em actividades antigovernamentais pacíficas em todo o país”.

Na mesma nota, a investigadora sénior da HRW para África, Zenaida Machado, disse que “a polícia angolana parece estar a visar quem se pronuncia contra as políticas do Governo”.

“As autoridades angolanas devem agir com urgência para acabar com as políticas e práticas abusivas da polícia e para garantir que é feita justiça para as vítimas e para os seus familiares”, acrescentou, citada no comunicado.

O relatório da ONG de defesa de direitos humanos é fundamentado em 32 entrevistas efectuadas entre Janeiro e Junho de 2023, incluindo “vítimas de abusos e familiares das mesmas, testemunhas e fontes de segurança em Luanda, a capital, bem como em Cabinda e Bié”.

“Em Fevereiro, homens que se identificaram como membros do Serviço de Investigação Criminal detiveram um grupo de jovens cujos corpos foram encontrados três dias depois, na morgue de um hospital em Luanda”, indicou o documento, no qual também se sublinhou que “as forças de segurança também detiveram arbitrariamente pessoas que criticaram publicamente o Governo”.

A organização lembrou os casos de “um `rapper` activista conhecido como Kamesu Voz Seca, que esteve cinco dias na prisão sem nenhuma acusação, após o carro do `rapper` ter sido parado num bloqueio policial nocturno, em Luanda, e agentes da polícia terem encontrado panfletos com `Fora, Presidente` e mensagens semelhantes”, bem como a detenção de um taxista, acusado de “promover actos de rebelião na sequência de um vídeo em que imita o falecido líder rebelde Jonas Savimbi e apela ao afastamento do governo do partido no poder, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), se ter tornado viral nas redes sociais”.

A HRW afirma que “há décadas que as forças de segurança angolanas violam estes direitos fundamentais, cometendo execuções extrajudiciais e outros homicídios ilegais, fazendo uso de força excessiva e desnecessária contra manifestantes, bem como perseguindo, detendo arbitrariamente e mantendo na prisão activistas da oposição”.

Contudo, ressalvou que, “nos últimos anos, o Governo fez algumas tentativas para melhorar a aplicação da lei, nomeadamente a demissão de agentes responsáveis por abusos, a integração dos direitos humanos no currículo da academia da polícia e a realização de actividades de direitos humanos regulares em parceria com as Nações Unidas e organizações não-governamentais nacionais”.

Ainda assim, lamentou que “a aplicação de acções penais a agentes da polícia por uso ilegal da força continua a ser rara” e que “as tentativas de melhorar a conduta dos agentes não foram sustentadas por medidas de responsabilização fortes, como acções disciplinares e processos criminais, havendo muitos casos de abuso policial que escaparam impunes.

Razão pela qual a HRW defendeu que “o Governo angolano deve adoptar urgentemente reformas concretas e significativas à conduta e supervisão da polícia, para promover o pleno respeito pelos direitos humanos e o Estado de Direito” e que “a comunidade internacional, incluindo a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral, a União Africana, a União Europeia e as Nações Unidas devem exortar” Luanda, “tanto em público como em privado, a responsabilizar os autores destes abusos”.

PLACEBO EUROPEU NOS DIREITOS HUMANOS

A delegação da União Europeia (UE) em Angola assinou no passado dia 16 de Janeiro contratos de financiamento de quatro projectos na área dos direitos humanos, que vão receber um total de 850 mil euros. Pois é.

Os quatro projectos, com duração de dois a três anos foram seleccionados na sequência de um convite à apresentação de propostas com vista a reforçar a protecção e respeito pelos direitos humanos, pela democracia e pelas liberdades fundamentais em Angola, nas áreas de maior risco. Saberá a União Europeia que não é possível defender o que não existe?

Em concreto, pretendia-se projectos que contribuíssem para a promoção dos direitos sexuais e reprodutivos, combate à violência baseada no género e fortalecer o direito à informação e da liberdade de expressão.

Foram seleccionados os projectos “Pelas Meninas e Mulheres de Cabinda” das organizações World Vision e Salesianos Dom Bosco de Angola, que pretende fortalecer organizações da sociedade civil e criar uma rede de activistas pela eliminação da violência de género, e “Ampliando direitos, construindo o futuro” da ADRA – Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente, visando o respeito pelos direitos sexuais e reprodutivos de adolescentes e jovens, e a redução da vulnerabilidade nas zonas rurais das províncias do Huambo e de Malanje.

Os projectos “Mudança”, da Liga de Apoio à Integração dos Deficientes (Lardef), direccionado à inclusão social e económica das pessoas com deficiência em Angola, e “A Voz do Jornalista — Fase II”, implementado pela Radio Ecclesia e o Sindicato de Jornalistas Angolanos, para reforçar o papel dos jornalistas em termos de garantia dos direitos humanos e à liberdade de imprensa e informação também foram escolhidos.

Em declarações no final da cerimónia, a então embaixadora da UE, Jeannette Seppen, afirmou que a União Europeia mantém um diálogo anual com o Governo angolano sobre estes temas. Na Europa talvez o diálogo ajude a dar de comer a quem tem fome. Em Angola não. Talvez o diálogo funcione nos países que são aquilo que Angola não é – uma democracia e um Estado de Direito.

Na altura, questionada sobre o relatório da organização Human Rights Watch, que apontou ameaças à liberdade de expressão e de imprensa e violência policial como principais preocupações, a diplomata afirmou que ainda não fora abordado com as autoridades angolanas. Não foi nem será. Jeannette Seppen sabe que, desde 1975, o MPLA é Angola e que Angola é do MPLA.

“Tomámos muito boa nota desse relatório, vamos tratando (desses temas) no nosso diálogo, mas também nas nossas acções concretas, já que os projectos que financiamos e vamos continuar a financiar também tratam destas temáticas”, referiu Jeannette Seppen. Direitos humanos não são “temáticas”. Só o poderiam ser se existissem.

A diplomata sublinhou que Angola e a União Europeia mantêm “uma relação de parceria” em que são falados “muitos assuntos”, entre os quais os direitos humanos, “uma temática extremamente importante” na política europeia. Embora não seja matumba, talvez Jeannette Seppen não se importe de o parecer. Não pode, contudo, é querer que os angolanos que estão a aprender a viver sem comer acreditem que os nossos rios são habitados por jacarés vegetarianos.

“Vamos continuar a trabalhar com o Governo de Angola, a favor de todos os angolanos e angolanas para que os desafios que temos nos direitos humanos tenham um seguimento positivo”, complementou Jeannette Seppen.

Por sua vez, a secretária de Estado da Justiça para os Direitos Humanos e Cidadania, Ana Celeste Januário, salientou que, neste diálogo bilateral, as questões são colocadas em cima da mesa e discutidas pelas duas partes. É claro que sim. O MPLA escuta a União Europeia, faz contas aos seus contributos financeiros, concorda com tudo, diz que sim, e depois continua a nada fazer pelos nossos 20 milhões de pobres. Simples.

“Não é uma avaliação de Angola ou da UE, cada uma das partes apresenta a sua visão e diz como é que tem estado a trabalhar, há pontos mais críticos para nós e outros que são mais críticos para a UE, é um diálogo de troca de informação e de experiências e é nessa base que trabalhamos”, afirmou Celeste Januário. E afirmou bem. Todos podem opinar, mas quem decide é sempre o mesmo, o MPLA.

Folha 8 com Lusa

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